"Sobre fotografia, com mais ou menos poesia".

Fiquei devendo para o Aduíldo

Hoje vou falar um pouco do planalto, um pouco mais de uma serra e muito de uma família sertaneja, a família do Aduildo.
Quem viaja no sudoeste de Goiás pela BR-364, a caminho do Mato Grosso e antes de chegar na cidade de Mineiros, desce uma serra belíssima, logo depois do Posto 71. Desce porque o planalto goiano (e de todo o centro-oeste do Brasil) tem a característica singular de deixar a gente viajar numa chapada onde se enxerga o céu tocando a terra e, de repente, mergulha em declives quase abruptos, que permitem ao viajante ver, da estrada, as elevações abaixo dele, em vista panorâmica.


Namorei aquela serra muitos anos e, na época, descobri nos mapas que ela é chamada de Serra Azul. Sempre vi uma porteira de fazenda, com uma plaquinha indicando “Fazenda Arnica”, um número de celular e com uma estradinha de terra sumindo em direção aos contrafortes da serra. Só que a porteira tinha uma corrente grossa, trancada a cadeado.

Em um julho distante, resolvi ir até lá para conhecer a serra de perto. Telefonei para aquele número da plaquinha e descobri o arrendatário da fazenda em Jataí. Fui até ele, expus minha intenção de fotografar o que pudesse em sua propriedade e ele, gentilmente, me passou o celular da sede e o nome do seu capataz, Aduildo. Depois de algumas tentativas, consegui marcar com ele um horário pré-definido para nos encontrarmos na porteira, e aí então Aduildo me abriu o caminho para a estradinha de terra.

Foram duas viagens, muitas fotos tiradas e muita picada do mosquitinho “borrachudo” (ou “pórvra”, como chamado em Goiás), que no entardecer vira uma verdadeira praga e só é eficientemente combatido com o uso de repelente em todas as partes descobertas do corpo.

Desses dias, guardo na memória a hospitalidade do Aduildo e sua família, particularmente de seu filho do meio (do qual, imperdoavelmente, esqueci o nome), rapaz com uns 14 anos, que selou dois cavalos e me guiou por aqueles sertões em um fim de tarde de julho, me levando para conhecer e fotografar, de perto, as majestosas formações. E ainda ajudou a carregar o tripé, trambolho incômodo que me atrapalhava no domínio da montaria e na azáfama de parar, apear do cavalo, preparar o equipamento, fotografar e montar de novo. Algumas fotos foram tiradas de cima do lombo do cavalo.

Meu guia trabalhava com o pai na fazenda e, no período das aulas, por volta das 11 da manhã, ia a pé até a beira da BR-364 (uns 4 km no meio do pasto) e esperava o ônibus escolar que o levava a Mineiros, distante dali quase 40 km, onde concluía o 1º grau. Estudava à tarde e chegava em casa de volta, na fazenda, cerca de 8 horas da noite. Nesse horário, após a janta, fazia as tarefas escolares, pois no dia seguinte, de manhã bem cedo, já tinha que estar de pé, campeando gado na lida diária. Menino esperto e inteligente, que orgulha e dignifica nossa gente e nossa terra. E que até hoje me faz refletir que esse tipo de brasileiro é o contraponto ao nosso desencanto diário com tantas notícias ruins, com tanta coisa errada, com tanta gente errada…

Foi lá, já na noite fria de julho, que depois de horas fotografando, tomei um café com leite, comi um bolo e um doce de queijo, bem típico de Goiás e Minas, chamado de “ameixa”. E foi lá, na hora da despedida, que prometi a Aduildo que voltaria para fotografar a ele e sua família e fazer uma bela ampliação, numa bela moldura, para que ele a pendurasse na parede de sua escolha.

Pois passei por lá há poucos dias, telefonei várias vezes e não consegui contato. Parei na porteira – que continua com o cadeado – mas a plaquinha não tem mais o número do telefone. O tempo era curto e não pude parar em Jataí para falar com o proprietário … e vim embora matutando por onde andará aquela família sertaneja, dura e forte. E que preciso encontrar o Aduíldo, pois promessa feita é promessa a ser cumprida.

2018

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